sábado, 16 de março de 2013

CENTENÁRIO DE DOMINGOS MARTINS DA FONSECA


CENTENÁRIO DE DOMINGOS MARTINS DA FONSECA


Domingos Martins da Fonseca


Domingos Fonseca e Siqueira Amorim



   Dia 12 de junho de 2013 foi comemorado o Centenário de Domingos Martins da Fonseca; havia uma divergência em relação o dia do seu nascimento que precisava ser buscado no cartório de registro civil de Miguel Alves sua cidade natal. Domingos nasceu no distrito de Santa Luzia, município de Miguel Alves Piauí, no dia 12 de junho de 1913, um dia de quinta feira as quatro e meia da manhã, filho de Diogo Martins da Fonseca e Agostinha Martins da Fonseca. Acredita-se que tenha sido registrado na Cidade de Miguel Alves - PI. Membros de sua família foram encontrados e esclareceram que seu nascimento ocorreu realmente no dia 12 de junho de 1913. Domingos da Fonseca foi o maior Poeta repentista que o Piauí já teve, começou cantar de improviso fazendo sua primeira cantoria aos 10 anos de idade lá mesmo em Santa Luzia, versejando como gente grande. Em 1926 aos treze anos de idade saiu de Santa Luzia em viagem foi quando fez sua primeira cantoria como viajante, cantando com um cantador chamado Casé Gouveia um moreno cearense no povoado Garapa no Estado do Maranhão (hoje Duque Bacelar) na casa dum Mestre de calafate (fabricante de canoas) Depois na  localidade Buriti de Inácia Vaz fez sua segunda cantoria com Casé Gouveia na casa do Seu Quequê.  Domingos ainda muito jovem aos 17 anos foi para Teresina -PI, em companhia da viola, estudou botou um quiosque para vender pinga e deixou mais tarde para andar viajando. Cantou na primeira etapa até os dezessete anos e passou dez anos sem cantar voltando novamente e cantando com os maiores repentistas da época sendo imbatível na arte e cognominado o " armazém do improviso. Os Cantadores mais conhecidos com quem cantou foram eles: Dimas Batista; Cego Aderaldo; João Siqueira de Amorim; Lourival Bandeira Lima; Alberto Porfírio Silva e o imbatível Pinto do Monteiro. Foi a Fortaleza - CE e também a Pernambuco para o I Congresso de Cantadores do Recife,organizado por Rogaciano Leite, na primeira apresentação cantou com Dimas Batista no Teatro Santa Isabel precisamente dia 05 de outubro de 1948, a Comissão julgadora do Festival deu como empate essa disputa, Dimas Batista é considerado pelos os estudiosos da cantoria como o mais técnico na forma de cantar entre todos os cantadores que já existiu e Domingos Fonseca é considerado também o mais lírico entre todos que já se ouviu cantar. Os vencedores desse I Congresso foi a dupla formada por: Domingos Martins da Fonseca do Piauí e Pinto do Monteiro da Paraíba. Em fortaleza cantou com Cego Aderaldo e João Siqueira de Amorim. Em 1952 foi novamente a Teresina com Alberto Porfírio onde fizeram uma apresentação para Alberto Tavares Silva político da Cidade precisamente dia 16 de agosto de 1952 aniversário de Teresina. Foi ao Rio de Janeiro com João Siqueira de Amorim seu principal companheiro e cantou também com Lourival Bandeira Lima um cantador alagoano. Cantou na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, Rádio Bandeirantes de São Paulo.

 


No Rio de Janeiro cantou para o General Mascarenhas de Morais com seus soldados e uma estrofe sua que ficou conhecida dizia:

                                                           Na frente dum pelotão
                                                  Quando um soldado pendia
                                                  O Brasil se enlutava
                                                  E Mascarenhas dizia
                                                  Geme Brasil que eu garanto
                                                  Vingar seu gemido um dia!




                        

















Domingos Martins da Fonseca
Fonte: https://www.facebook.com/casadoscantadores 





                        Cantando certa vez com um cantador que terminou sua estrofe dizendo o seguinte:

Eu sou , Tu és, Eles são
Três classes gramaticais.

Domingos respondeu:

Eu nunca vi errar mais,
         Do que quem canta repente.
Eu sou, Tu és, Ele é,
Indicativo presente.
Salvo se a sua gramática,
Das outras for diferente.


Lourival da Bandeira Lima

Por intermédio do radio
Mando lembrança aos meus pais.

Dos meus não me lembro mais
Pois sou como um passarinho,
Que seus pais abandonaram
Ainda implume no ninho,
E o primeiro voo da vida
Quando deu já foi sozinho.

Minha mãe foi branca e bela
E teve bom proceder.

Faz vergonha até dizer
Que sua mãe foi branca e bela,
Este seu cabelo ruim
Porque não puxou a ela,
Ou seu pai é muito preto
Ou então foi truque dela.

Dimas Batista

Domingos além de pobre
Pertence a triste cor,

Falar em pobreza e cor
É um grande orgulho teu,
Morra eu e morra o nobre
Enterre-se o nobre e eu,
Depois ninguém separa
O pó do rico do meu.

A tua cor veio manchar
Nossa raça brasileira.

Na inconfidência mineira
A falsidade quem fez,
Foi o preto João Henrique
Ou foi Silvério dos Reis,
O mestiço brasileiro
Ou o branco português.


Cego Aderaldo

Nosso querido Brasil
Nasceu na velha Bahia.

Foste tu velha Bahia
A pioneira da lei,
Depois de mil sacrifícios
Que descrevê-los não sei,
Chegastes a ti tornar trono
Onde Rui tornou-se rei.

Bahia de Todos os Santos
Um território feliz.

Vai Bahia ao céu e diz
Com toda tua altivez,
A Castro Alves que volte
Da viagem que ele fez,
Que a velha Bahia dele
Precisa dele outra vez.

Francisco Evaristo.

Porém por culpa de Eva
Adão na culpa caiu.

E depois que ele saiu
Daquele jardim silvestre,
Ficou um guarda na porta
Com ordem do grande Mestre,
Pra que Adão não voltasse
Ao paraíso terrestre.

João Siqueira de Amorim pediu:

Toda mãe por qualquer filho
Se iguala num só amor,
As mães de Cristo e de Judas
Sofreram a mesma dor,
Uma pelo filho justo
Outra pelo pecador.

Gosto muito das mulheres
Que com elas me arranjo.

Mulher ao nascer é um anjo
Sendo moça é um sol nascente,
Sendo noiva é uma esperança
Sendo esposa é uma semente,
Sendo mãe é uma fruteira
Sendo sogra é uma serpente.



Cantando certa vez com um cantador que terminou sua estrofe dizendo o seguinte:

Eu sou , Tu és, Eles são
Três classes gramaticais.

Domingos respondeu:

Eu nunca vi errar mais,
Do que quem canta repente.
Eu sou, Tu és, Ele é,
Indicativo presente.
Salvo se a sua gramática,
Das outras for diferente.


VERSOS DE DOMINGOS
(Taquigrafado por Rogaciano Leite)

O destino me deixou
Igualmente um cão no cais,
Cai no mar buscando o dono
O mar o arroja pra trás,
Ele se sente vencido
Fica uivando e não vai mais.

Cedo fiquei sem meus pais
Chorando a minha orfandade,
Cada passo em minha vida
Foi uma fatalidade,
Cada dia um desengano
Cada noite uma saudade.

Aos meus dez anos de idade
Peguei o pinho e cantei,
Descansando aos dezessete
Aos vinte e sete voltei,
Foram os anos mais tristes
Que em minha vida passei.

Cantando me acostumei
A chorar meu sofrimento,
O riso vai para os lábios
A dor para o pensamento,
E nasce a rosa do verso
No jardim do sentimento.

A voz sinistra do vento
Tem vez que me inspira,
Como se um dedo invisível
Tocasse na minha lira,
Acompanhando os queixumes
De minha alma que suspira.

A luva que Deus atira
Nunca veio a minha mão,
E se veio desconheço
As cores dela quais são,
Se é negra vestiu minha alma
Se é branca não chegou não.














Foto de Domingos com Siqueira Amorim e um amigo.            Fonte: https://www.facebook.com/casadoscantadores                    










O poeta repentista Moacir Laurentino, que desde a década de 70 vem encantando as plateias por onde canta é um dos maiores fã da cantoria de Domingos da Fonseca chegando a afirmar que: Se Domingos estivesse vivo e fosse fazer uma cantoria na Cidade do Rio de Janeiro, viajaria até lá para assistir sentando nos primeiros bancos.
        A obra de Domingos é pouco conhecida devido as dificuldades do seu tempo, não gravou nenhum disco ou fita cassete só publicou um livro na Bahia "Poemas e Canções" que foi distribuído em favor da Associação dos Cantadores do Nordeste. Domingos viajou todo Brasil fazendo campanha em favor da valorização da profissão do violeiro repentista e é homenageado em Teresina- PI dando nome a uma  rua que lhe homenageia como "Rua Poeta Domingos Martins da Fonseca" no bairro Cristo Rei,CEP 64014-315.  Em 1951 fundou a Associação dos Cantadores do Nordeste, em 1953 recebeu a doação de um terreno com dez lotes para a construção da sede da Associação. Lá foram construídas casinhas pequenas para alugar e conseguir recursos para a construção, só que mais tarde vieram a perder 05 lotes do terreno e dos 05 lotes restantes ainda teve um cantador por nome Raimundo Cassiano (vulgo pé de gia ) tomou posse de um 01 dos lotes onde fez uma casa que para reaver tiveram que comprar dele.


Foto do Poeta Lourival Bandeira, cantando com Pedro Bandeira na Festa do Aniversário do Poeta Louro do Pajeú no ano de 1980. Lourival Bandeira poeta alagoano que foi morar em são Paulo, onde cantou muito com Domingos Fonseca e João Siqueira de Amorim, num tempo que a cantoria nordestina teve grande destaque nos jornais da época. Depois encontramos esta outra pérola aqui abaixo, foto duma cantoria que fizeram dupla talvez em São Paulo ou Rio de Janeiro.














Lourival Bandeira de Lima e Domingos Martins da Fonseca
Foto 1  Lourival Bandeira Lima (esquerda) e Domingos Fonseca (direita
















Foto 2 Domingos Fonseca (esquerda) e Lourival Bandeira Lima (direita)
Fonte:https://www.facebook.com/casadoscantadores



                                             
                                           






Domingos e Siqueira em São Paulo e Rio de Janeiro, 




















Domingos Fonseca e João Siqueira de Amorim

A Associação dos Violeiros e Poetas Populares do Piauí - AVIPOP  na pessoa do seu Presidente, Dr. Pedro Mendes Ribeiro, planejava para o XL Festival de Violeiros do Norte e Nordeste, estender de 03 para 04 dias iniciando na quinta feira em Miguel Alves - PI, uma noite de homenagem ao poeta Domingos da Fonseca. Sendo nos dias: 22, 23, 24, e 25 de Agosto de 2013. Não foi possível por falta de apoio para a realização segundo o presidente.


                                    Minha estrofe em homenagem a Domingos:

                                    Foi Domingos Fonseca pra poetas

                                    Conhecido “O armazém do improviso
                                    Com seus versos moldados no juízo
                                    Construídos com linhas tão completas
                                    Com cadências de rimas bem corretas
                                    Se contando parece até lendário
                                    Mas, cantou muito além do necessário
                                    Divulgando o valor da profissão
                                    Do poeta que é filho do sertão
                                    Isso tudo completa o centenário
                                                  (José Edimar) 


  Diogo Martins Fonseca Neto; filho de Sarturnino Martins Fonseca irmão de Domingos Fonseca, mora na cidade de Teresina-PI,trabalha no Corpo de Bombeiro do Estado do Piauí,  é Tenente daquela  honrada corporação. É neto de Diogo Martins Fonseca e Agostinha Martins Fonseca os quais são os pais do grande poeta Domingos Fonseca.





Este documento é uma certidão de casamento de Maria Bernadete de Sousa Fonseca; filha de Domingos Martins da Fonseca e Josefa Maria de Sousa; Natural de Teresina - PI nascida em 11 de junho de 1938. João de Deus Lima, era desembargador e amigo de Domingos Fonseca  foi o padrinho de batismo de Maria Bernadete. Os filhos de Maria Bernadete  e netos de Domingos Fonseca, moram uma em Brasília a Conceição de Maria, os outros que são: Lourival, Carmélia, Perpétua, Maria das Graças, José da Cruz, moram em Teresina e o Francisco em Timon - MA.


JOÃO SIQUEIRA DE AMORIM

João Siqueira de Amorim, grande poeta cearense natural de Barbalha, Ceará (1913), foi também fenomenal cantador. Filho de pais humildes, não teve sequer o curso primário.Começou a cantar em 1928. Formou dupla com o violeiro Domingos Fonseca. Exerceu o jornalismo. Funcionário público aposentado. Chegou em Fortaleza no ano de 1935 onde foi colaborador nos jornais "Gazeta de Notícias", "O Estado", "O Povo" e "Correio do Ceará", no qual manteve a secção "Poesia Popular" de parceria com Domingos Fonseca. Sócio efetivo da Associação Cearense de Imprensa, desde 1950. Siqueira de Amorim fundou em Fortaleza, em 1956, um jornalzinho com o nome "A Voz do Cantador", órgão da Associação dos Cantadores do Nordeste, saindo seu primeiro número em 1/1/1956. Autor do livro "Ecos da Juventude" (1949). A certa altura da existência, perdeu totalmente a voz. Seu desabafo em versos é de um lirismo instigante:

Passarinho lavandeira,
Canta e diz para a cidade
Que a viola do Siqueira
Emudeceu de saudade!...

Qual a razão, quais o males
Que fiz aos meus semelhantes
Para perder minha voz
No curso de alguns instantes?
Às vezes, sonho cantando,
Mas é o sonho enganando
As minhas cordas vocais;
De alegria me transbordo,
Porém depois quando acordo
Tudo é mudez… nada mais.

Quanta tristeza me invade
Quando a manhã vem raiando:
Eu ouço o concerto alegre
Da passarada cantando…
Acordes da melodia
Trazem aquela alegria
Da aurora que surge além,
Enquanto eu, mudo, enlutado,
Me lembro que no passado
Já fui cantador também.

Em certas horas soluço
Qual um órfão pela rua;
Chora comigo a saudade
Nas noites claras de lua…
Meus tempos de cantorias,
Meus “quadrões”, minhas porfias,
No litoral, nos sertões.
O sabiá sem gaiola
Perdeu a voz, a viola,
O sonho, a rima, as canções…

Nesses momentos divinos
Sob estranhos pesadelos,
Chegam-me versos e rimas,
Mas eu não posso dizê-los:
Minha viola querida
Lá num canto emudecida,
Como quem tudo perdeu.
Quero cantar, como outrora,
Procuro a voz, foi embora,
Minha alma também morreu!...

Fonte: O Dossiê do Fonseca
Colaboração: Arievaldo Viana


















ALBERTO PORFÍRIO DA SILVA


   Nasceu na Cidade de Quixadá-CE. Em 23 de dezembro de 1926 — E faleceu em Fortaleza-CE, Em 23 de setembro de 2009) foi um escultorxilogravuristapoeta popular e repentista brasileiro. Figura amada e respeitada no meio da cantoria e do cordel, foi considerado  um dos expoentes da poesia popular cearense.
    Porfírio desenvolveu sua leitura por meio de cordéis de Leandro Gomes de Barros, João Martins de Ataíde, Luís da Costa Pinheiro e outros. Com a seca de 1942, em plena II Grande Guerra, partiu, com a viola e cantoria, para ganhar a vida. Porém, alistou-se como "soldado da borracha", desistindo pouco antes da partida. O navio que levou os demais companheiros foi torpedeado e todos foram mortos. Retornou aos estudos com mais idade, estudando na sala ginasial ao lado da de seu filho mais velho. Mais tarde, tornaria-se professor pela Universidade Federal do Ceará. O poeta popular recebeu das mãos da Condessa Pereira Carneiro, do Jornal do Brasil, menção honrosa especial pelos seus trabalhos como cantador-repentista.
    Já com saúde debilitada em função de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Alberto Porfírio faleceu em 23 de setembro de 2009 devido complicações pulmonares de uma silicose causadas pelo constante contato com cimento, material utilizado em suas esculturas. Foi sepultado no cemitério da Parangaba, em Fortaleza. Deixou sete filhos, vinte netos e dez bisnetos.
    Foi autor de inúmeros cordéis além de publicar obras como Poetas Populares e Cantadores do Ceará (1977), Os Cem SonetosO Livro da Cantoria (1997) , além de outras como Porque não aprendi a lerNo tempo da lamparinaEu gostei mais foi do cãoCantiga da Dorinha e A estátua de Jorge. Escreveu um livro de sonetos e outro sobre as noites de viola na Casa de Juvenal Galeno.
     Viajou pelo Brasil divulgando a arte do repente e da poesia popular. Participou de pelejas, congressos e da fundação da Casa do Poeta Brasileiro em Brasília. Ministrou cursos de cantoria pelo rádio e criou esculturas em diversas partes do Brasil, dentre as quais a do Cego Aderaldo e de Domingos Fonseca. Depois do AVC e já com saúde debilitada, decidiu escrever sua Autobiografia. nela o cordelista narrou sua vida e sua obra em prosa e versos com lembranças de 1926 até 2006. Impedido de escrever com os próprios punhos, coube a sua filha transcrever para o papel o que era dito por ele.
       Esculturas de sua autoria encontram-se espalhadas por vários estados do Brasil.







DIMAS BATISTA PATRIOTA

Dimas Batista Patriota, nasceu no ano de 1921, na então Vila Umburanas, município de São José do Egito, hoje cidade de Itapetim - PE. Filho de Raimundo Joaquim Patriota e Severina Batista Patriota; ambos paraibanos. Dotado de uma inteligência privilegiada, aos cinqüenta anos de idade, formou-se em letras clássicas na mesma faculdade de onde seria professor de língua portuguesa. Era considerado o cantador mais culto de todos os tempos. Além de repentista renomado, era historiador geógrafo e poliglota. Dimas fez a sua primeira cantoria aos quinze anos de idade, na cidade de São José do Egito. Faleceu em Fortaleza em 1986, vítima de acidente vascular cerebral; sepultou-se em tabuleiro do Norte, local onde residia. Obras: Jesus Filho de Maria; História da CNEC (Em versos); As Três cruzes;Desafio (Dimas e Cabeleira)

Dimas Batista; em alguns versos majestosos

Quando eu pego na viola
Para cantar o Brasil:
Militar deixa o fuzil;
Jogador esquece a bola;
O aluno gazeia a escola;
O judeu sai do balcão;
O orador erra a expressão;
Pugilista perde o soco.
Eita, Brasil de caboco,
De Mãe Preta, e Pai João!

Eu sou toque de corneta;
Sou barulho de batalha;
Sou o gume da navalha;
Sou a ponta da lanceta;
Sou a pancada da marreta;
Sou o golpe do facão;
Sou tiro de mosquetão;
Sou trator de arrancar toco:
Eita, Brasil de caboco,
De Mãe Preta, e Pai João!

Cantador só passa em teste
Se consultar o Batista;
Porque Deus me fez artista;
Repentista do Nordeste;
Eu não temo nem a peste
Que tenha "pauta" com o "cão",
Minha voz é um trovão;
Só não houve quem for mouco:
Eita, Brasil de caboco,
De Mãe Preta, e Pai João!


ZÉ AMÉRICO DE ALMEIDA
O SALVADOR DO SERTÃO

Trinta foi ano inconstante
não houve nem fruta peco,
trinta e um foi quase seco,
trinta e dois foi torturante
tostava a face no chão,
surgiu, por Deus, um cristão
combatendo a labareda:
Zé Américo de Almeida
o salvador do sertão.

Pois, este logo depois
dirigiu um Ministério:
Não mais faltou refrigério
na seca de trinta e dois.
Bacalhau, jabá, arroz,
farinha, milho, feijão
mandou pra população,
até chita, mescla e seda
Zé Américo de Almeida
o salvador do sertão.

Matando a nudez e a fome
da pobreza sertaneja
é justo que honrado seja
pra sempre o seu santo nome.
Que onde ele chega, some
toda espécie de aflição.
Glórias mil muitas lhe dão
e outras mais Jesus conceda
Zé Américo de Almeida
o salvador do sertão.

Vaqueiros e caçadores,
Tangerinos, boiadeiros,
lenhadores e tropeiros,
marchantes, agricultores,
romeiros e cantadores
desta inculta região
conservam lembrança leda:
Zé Américo de Almeida
o salvador do sertão.

Um estilo de quadrão de oito linhas em doze
           
É no sangue, é no povo, é no tipo, é na raça,
é no riso, é no gozo, é no gosto, é na graça;
é no pão, é no doce, é no bolo, é na massa;
é na massa, é no bolo, é no doce, é no pão;
é cruzado, é vintém, é pataca, é tostão;
é tostão, é pataca, é vintém, é cruzado;
é quadrão, é quadrinha, é quadrilha, é quadrado;
é quadrado, é quadrilha, é quadrinha, é quadrão.

É na corda, é na ponta, é na volta, é no laço;
é no pulo, é no salto, é no chouto, é no passo;
é na unha, é no dedo, é na mão, é no braço;
é no braço, é na mão, é no dedo, é na unha;
é no brado, é no grito, é na voz, na canção.
Na canção, é na voz, é no grito, é no brado;
é quadrado, é quadrinha, é quadrilha, é quadrão;
é quadrão, é quadrilha, é quadrinha, é quadrado.

É no leste, é no oeste, é no sul, é no norte;
é no pouco, é no muito, é no fraco, é no forte;
é no berço, é na cova, é na vida, é na morte;
é criança, é menino, é rapaz, é ancião;
é estado, é cidade, é distrito, é nação.
é nação, é distrito, é cidade, é estado;
é quadrão, é quadrinha, é quadrilha, é quadrado;
é quadrado, é quadrilha, é quadrinha, é quadrado.

É pato, capote, é peru, é galinha
é no caibro, é na ripa, é na telha, é na linha;
é salão, é saleta, é despensa, é cozinha;
é cozinha, é despensa, é saleta, é salão.
É alpendre, é latada, é bodega, é pensão,
é casebre, é palácio, é castelo, é sobrado;
é quadrado, é quadrinha, é quadrilha, é quadrão,
é quadrão, é quadrilha, é quadrinha, é quadrado.

É no grito, é no assombro, é no susto, é no medo,
é na noite, é no dia, é na tarde, é no dedo;
é na briga, é na queixa, é na intriga, é no enredo,
é espada, é cacete, é punhal, é facão.
É revólver, é pistola, é bofete, empurrão,
é cadeia, é sentença, é juiz, é soldado;
é quadrão, é quadrinha, é quadrilha, é quadrado,
é quadrado, é quadrilha, é quadrinha, é quadrão.

Poetas

Alguém já me perguntou:
o que são mesmo os POETAS?
Eu respondi: são crianças
dessas rebeldes, inquietas,
que juntam as dores do mundo
às suas dores secretas.

Nossa vida é como um rio
no declive da descida,
as ÁGUAS são a saudade
duma esperança perdida,
e a vaidade é a espuma
que fica à margem da vida.

Galope a beira mar

Eu muito admiro o poeta da praça,
que passa dois anos fazendo um soneto,
depois de três meses acaba um quarteto,
com todo esse tempo inda fica sem graça.
Com tinta e papel o esboço ele traça,
contando nos dedos pra metrificar,
que noites de sono ele perde a estudar,
pra no fim mostrar tão minguado produto,
pois desses eu faço dois, três, num minuto,
cantando galope na beira do mar.


Deus vê do céu bem visíveis
Nossos íntimos dilemas
Pra ele não tem problemas
De soluções impossíveis
Desde que são infalíveis
Os atos do grande ser
Todos têm que obedecer
Rico, pobre, bom ou mau
Não cai a folha de um pau
Sem nosso Deus não querer

Fraqueza da humanidade
Alguém dirá, mas não é
Diz a tradição até
Jesus chorou de saudade
Seu coração de bondade
Da Virgem se despedia
Chorava olhando a Maria
Do Horto da Oliveira
A saudade é Companheira
De que não tem companhia

Os carinhos de mãe estremecida
Os brinquedos do tempo de criança
O sorriso fugaz de uma esperança
A primeira ilusão de nossa vida
Um adeus que se dá por despedida
O desprezo que a gente não merece
O delírios da lágrima que desce
Nos momentos de angústia e de desgraça
Passa tudo na vida tudo passa
Mas nem tudo que a gente passa esquece

























JESUS, FILHO DE MARIA
I PARTE - A INFÂNCIA DO SALVADOR

Autor: Dimas Batista
Dedicado à Silvestre Alves da Silva
Trabalho concluído em 17 de abril de 1966


Ó sagrada onipotência
Dá-me inspiração dileta,
Pois sou um pobre poeta
Despido de inteligência.
Muito embora sem ciência
De História ou Teologia,
Pretendo, em fraca poesia,
Descrever todo o passado
Do Santo Verbo Encarnado
Jesus, Filho de Maria!

Quatro Evangelhos no mundo
Firmados na lei de Deus,
Primeiro, o de São Mateus,
De São Marcos, o segundo,
Sendo o terceiro, profundo,
Que São Lucas anuncia,
O quarto tem primazia,
Foi escrito por São João,
Que amava de coração
Jesus, Filho de Maria!

Uma Virgem Soberana,
Natural de Nazaré,
Esposa de São José,
Filha de Joaquim e Ana;
Dentre toda a raça humana,
Sendo Virgem, Pura e Pia,
Por Deus, escolhida, havia,
De ser a Mãe de Jesus,
Futuro mártir da cruz,
Jesus, Filho de Maria!

Entre os hebreus consagrados
Essas coisas foram ditas,
Nas verdades infinitas
Dos profetas inspirados!
Há muitos anos passados,
Afirmava a profecia,
Que, lá dos céus, desceria
Pra remir o mundo inteiro,
O Sacrossanto Cordeiro
Jesus, Filho de Maria!

Vindo da Santa Mansão
Gabriel desceu do espaço,
A vinte e cinco de março,
Dia da Anunciação!
Fez o anjo a saudação:
“Bendita és tu, Virgem Pia,
Deus a dizer-te, me envia,
Que, em teu ventre imaculado,
Gerar-se-á, sem pecado,
Jesus, Filho de Maria!

Guardar sempre a virgindade
Maria a Deus prometeu
São José, esposo  seu,
Também jurou castidade!
Mas a virgem de bondade
Que, santamente, vivia,
Dessa forma concebia
Por obra do Espírito Santo
Gerado estava, portanto,
Jesus, Filho de Maria!

Depois disso, nas montanhas,
A Santa Esposa Fiel
Foi visitar Isabel,
Já com Jesus nas entranhas
Chegando, foram tamanhas,
As sensações de alegria,
Que Isabel estremecia,
Vendo a mãe do Deus menino,
Bendito, Verbo Divino,
Jesus, Filho de Maria!

Dessa visita que fez,
Com três meses, regressava,
E, n’Ela, já se notava
Sintomas de gravidez!
Faltavam, no entanto, seis
Meses pra chegar o dia,
Em que d’Ela nasceria
Repleto de Luz e Fé,
Sem ser filho de José,
Jesus, Filho de Maria!

José encheu-se de espanto
Vendo Maria pejada!
E, ali sem dizer nada,
Ficou triste o esposo santo!
O seu ciúme foi tanto,
Que nem de noite dormia,
Pois São José não sabia
Desse mistério divino,
Que era gerado o menino
Jesus, Filho de Maria!

Assim, planejou, ciumento,
Sua esposa abandonar!
Mas veio um anjo avisar:
“ – José, não sejas violento;
Não faças mau pensamento,
Nem sofras melancolia:
Pois Deus mesmo é quem confia,
Dela, o mistério profundo,
Do qual surgirá, no mundo,
Jesus, Filho de Maria!

José, depois de avisado
Pelo enviado bendito,
Ficou triste  muito aflito
Por ter, assim, censurado!
Indo viver consolado
Com divina regalia,
Pois, agora, conhecia,
Que a divina esposa virgem
Concebeu, por santa origem
Jesus, Filho de Maria!

César Augusto, o soberano,
Decretou, com fundamento,
Um geral recenseamento
Do grande império romano.
E, naquele mesmo ano
Esse édito se cumpria;
São José, que não sabia,
Foi lá, cumprir seu dever,
Onde havia de nascer
Jesus, Filho de Maria!

Maria fez a viagem
Para se recensear,
Já perto de descansar,
Ninguém lhe dava hospedagem!
São José fez estalagem
Numa pobre estrebaria,
Nessa humilde hospedaria,
Cheia de paz e pureza,
Nasceu, em  plena pobreza,
Jesus, Filho de Maria!

Naquela gruta singela
Tão pobre, humilde e serena,
A Virgem Mãe nazarena
Deu à luz, ficou donzela,
São José, pertinho dela,
Imenso gosto sentia;
Enquanto alegre, sorria,
Na mais divina ternura,
Nos braços da Virgem pura
Jesus, Filho de Maria!

Os três magos do Oriente
Vieram adorar Jesus,
Guiados por uma luz
Duma estrela refulgente.
O astro pairando em frente,
Da escura gruta sombria,
Os Magos viram que havia,
De palha, um berço, no centro,
Onde, alegre, estava dentro,
Jesus, Filho de Maria!

Herodes foi informado
De haver, no reino, nascido,
O Messias Prometido,
O Salvador desejado!
E os Magos tendo chegado,
Herodes que os percebia,
Disse, fingindo alegria:
“Ide e vinde me informar,
Quero também adorar
Jesus, Filho de Maria!”

Quando os três Magos chegaram
Fizeram do seu tesouro,
O incenso, a mirra, o ouro,
Como oferta consagraram,
Prostrados, O adoraram,
Cheios de gosto e alegria;
Iam voltar no outro dia,
Com a glória de terem visto,
Rei Santo, Sagrado, Cristo,
Jesus, Filho de Maria!

Herodes fez mau juízo
De assassinar a criança;
Da projetada vingança,
Os Magos tiveram aviso.
Uma voz do Paraíso,
Aos três, em sonho, dizia:
“Regressai por outra via,
Que Herodes, pra se vingar,
Tem pretensão de matar
Jesus, Filho de Maria!”

Indo os Magos de regresso
Por caminho diferente,
Herodes, ao ser ciente,
De raiva ficou possesso!
E decretou, por excesso,
De bruta selvageria,
A morte dura e sombria
Das crianças de Belém,
A fim de matar também
Jesus, Filho de Maria!

Mas, por um anjo, foi dito,
Que por decreto divino,
José, Maria e o menino
Fugissem para o Egito.
Que Herodes, rei maldito,
Matar Jesus pretendia!
São José, em companhia
De sua fiel consorte,
Fugiu, livrando da morte,
Jesus, Filho de Maria!

Lá no Egito altaneiro,
Nação mui celebrizada,
Teve a Família Sagrada
Seu refúgio hospitaleiro,
Junto ao Nilo prazenteiro,
Gigante d’água bravia,
Que goza a supremacia
Doutros rios africanos,
Onde viveu sete anos,
Jesus, Filho de Maria!

São José já regressava,
Maria e Jesus também,
Não para Jerusalém,
Onde Arquelau dominava!
Pois esse príncipe odiava
Tudo que a Deus pertencia,
E, por isso, poderia,
Querer perseguir os três
Ou mesmo, matar, talvez
Jesus, Filho de Maria!

Jesus, Maria e José
Por ordem da Providência,
Fixaram residência
Numa casa, em Nazaré.
Viviam cheios de fé,
De paz, de amor, de harmonia;
A Luz da Sabedoria
Divina multiplicava
Mais a mais, iluminava,
Jesus, Filho de Maria!

São José, bom carpinteiro,
Trabalhava a toda hora;
Lutava Nossa Senhora
No seu serviço caseiro!
No tear o dia inteiro,
Belas túnicas tecia;
Diariamente se via,
Na tenda de Nazaré,
Ajudando a São José,
Jesus, Filho de Maria!

Com sábios e professores,

Certa vez, Jesus, no templo,
Do seu saber deu exemplo,
Discutindo com os doutores!
Calaram-se os demais senhores
E o povo, abismado, ouvia,
Frases de sabedoria
Jorravam dos lábios d’Ele,
Doze anos tinha Aquele
Jesus, Filho de Maria! 



PINTO DO MONTEIRO ( O Crânio mais rápido no Repente)


















Severino Lourenço da Silva Pinto foi um poeta superlativo. Astuta raposa, cobra das mais venenosas. O seu poder de criação e a velocidade de raciocínio muitas vezes faziam as palavras tropeçarem umas nas outras, não pelo verso quebrado, absolutamente, mas quase engolindo sílabas, dada a ligeireza dos versos despejados em turbilhão. Autor de versos contundentes, tudo nele transpirava grandiosidade. Foi um gênio da cantoria.


















A data de seu nascimento é incerta. Mas numa entrevista concedida a Djair de Almeida Freire, em 11/04/1983, na casa do poeta, ele revelou sua idade. Eis os principais trechos:

"Meu nome é Severino Lourenço da Silva Pinto Monteiro, nasci em 1895, a 21 de novembro, a uma da madrugada, assim dizia minha mãe. Batizei-me a primeiro de janeiro de 1896, pelo padre Manoel Ramos , na Vila de Monteiro. Nasci na rua, mas morava em Carnaubinha. Com sete anos de idade, em 1903, fui para a Fazenda Feijão. Saí de lá em 1916, 30 de junho. Meus avós eram da Itália. Quando chegaram por aqui se misturaram com sangue de português. Esse Monteiro é parente dos Brito, eu sou parente dos Brito".

















Essa figura legendária, que atendia pelo nome de Pinto do Monteiro correu muito trecho pelo Brasil afora. Filho de um tropeiro com uma doméstica, Pinto experimentou muitas profissões, antes de se dedicar inteiramente à viola. A primeira foi de vaqueiro. Foi soldado de polícia, guarda de serviço contra a malária, auxiliar de enfermeiro, vendedor de cuscuz no Recife. "Depois larguei os cuscuz e ficava cantando na calçada do mercado de São José", declarara o próprio Pinto, certa vez. Recordava outra vez que, ao cantar como estreante, alguém o alertou: "Se você continuar, vai cantar de assombrar o mundo". E assombrou.

Ele tinha 25 anos quando começou a cantar. Foram seus mestres de cantoria Saturnino Mandu, de Poções (PE), Manoel Clementino, de Sumé (PB), e José de Lima em companhia de quem foi para o Recife onde cantou com muitos repentistas daquele Estado.





















Em 1940, já tendo adquirido bastante experiência como cantador e mestre em cantoria, viajou para o Amazonas, onde até 1946 exerceu as funções de guarda do serviço contra a malária, ora em Porto Velho, ora em Guajaramirim, ora em Boa Vista. Quando voltou veio morar no Ceará. E em 1947 muda-se para Caruaru (PE). Depois mudou-se para Sertânea (PE), mais perto de Monteiro.

A característica marcante da cantoria de Pinto foi a naturalidade e rapidez de improviso. Cognominado "A Cascavel do Repente", Pinto era ágil, certeiro, veloz, e também venenoso e mortífero, deixando muitas vezes o oponente mudo e sem resposta. Numa ocasião, foi convidado a assistir a uma cantoria, em que um dos repentistas era Patativa, poeta ruim, cuja viola era toda enfeitada de fitas coloridas, Alguém pediu ao dono da casa que deixasse Pinto cantar. "Com a gente, não, não, só se for sozinho", defendeu-se a dupla. Pinto ficou em pé, no meio da sala, e disse:

Eu não sei como se ouve
Cantor como Patativa
Toda pronúncia é errada
Toda rima é negativa
A viola só tem fita
Mas a cantiga é merda viva".

A troca de "amabilidades" com qualquer que fosse o cantador era uma constante. Se o adversário era ruim, apertava o cerco. Se, por outra, era um do porte de Lourival Batista, a disputa fervia. Destemido, lutou contra cangaceiros, quando era da polícia. Mas, não chegou a lutar contra Lampião, pois somente quando estava no Acre, no serviço contra a malária, é que o famoso sertanejo entrou no cangaço.

A Cascavel do Monteiro esguio, estatura mediana, teve quatro mulheres. Nenhum filho, ao menos oficialmente. Aprendeu a ler e a escrever, já adulto, o que foi suficiente para aprimorar conhecimentos de história e geografia gerais, história antiga, história do Brasil. Gostava de escrever poemas e cartas aos amigos. Era um assombro de agilidade e insolência. Malcriado como sempre, acabava com o violeiro nas primeiras linhas.




















Cantando em Caruaru, com Aristo José dos Santos, ouviu a estrofe que assim terminava: "moço comigo é na faca / velho comigo é no pau". Respondeu:

Mas eu sou como lacrau
Que do lixo se aproxima
Vivendo da umidade
Se alimentando do clima
Pra ver se um besta assim
Chega e bota o pé em cima.

Se provocado não tinha papas na língua nem conveniências. E o contendor era obrigado a recuar porque, com sua peculiar fertilidade de versejar, era capaz de fazer uma segunda sextilha antes que o outro se refizesse do choque da primeira resposta. Cantando uma vez com Joaquim Vitorino, este caiu na asneira de fazer referências às lapadas de cana de um primo seu. Pinto então fez esta sextilha, causando um certo desconforto no companheiro:

Você bebe até veneno!
Seu pai é bom troaqueiro,
Manoel, um ébrio afoito
Vive apanhando em Monteiro!
Quem tem uma corja desta
Não fala de cachaceiro.

A cantoria é uma manifestação muito criativa. E cantar de improviso requer muita agilidade de pensamento. E Pinto tinha tudo isso. Ele atravessou décadas cantando. Conheceu uma centena de repentistas, duelando com muitos deles. Desafiou grandes cantadores, como Lourival Batista, Dimas Batista, Pedro Amorim, Rogaciano Leite, Heleno Pinto (seu irmão), Antônio Marinho e muitos outros. "Eu assisti Pinto no auge, com Louro. Várias vezes. Nunca consegui saber qual dos dois estava na frente. No mínimo, era um empate", relembra Raimundo Patriota. E acrescenta: "Seguir o estilo de Pinto era muito difícil. Era um estilo muito pessoal. Muitos tentaram, mas não conseguiram". A verdade é que o nome de Pinto tomou-se um marco no universo da poesia improvisada do Nordeste. Diz-se que foi o maior.

Certa vez, ao ser perguntado sobre os maiores repentistas, Pinto não titubeou: "Foi o sogro e o genro" (referindo-se a Antonio Marinho e Lourival Batista). Com Job Patriota, foi mais direto: "Do meu tamanho mesmo, só Louro e Antônio Marinho. O resto é assim do seu tamanho". Quanto a Rogaciano Leite, considerado discípulo da Cascavel, Pinto coloca-o no rol dos grandes, chamando-o de "monstro".
















João Furiba cantou muito com Pinto e não tinha medo de apanhar. No Festival de Violeiros de Olinda, em 1984, Furiba homenageou o mestre, presente ao acontecimento.

 "Seu verso hoje é açude 
Que abarrota a represa 
Rio que não perde a água 
Planta que possui beleza 
Gênio que desdobra o mundo 
Por conta da natureza".

Segundo Pinto João era muito enrolão, pra pagar contas ele disse assim:

Eu vou fazer uma casa
Na Serra da Carnaíba
A frente pra Pernambuco
As costas pra Paraíba
Só pra não ver duas coisas:
Nem Sumé, nem João Furiba!



Naquela época Pinto tinha uma pequena mercearia e João Furiba indagou - lhe como deixaria, para seguir em aventura sem saber se teria vantagem ou não! E Pinto disse: 

Pra negociar sem ganhar
Não há cristão que suporte
Por isso eu acho melhor
Andar em busca da sorte
E viajar com você
Para o Rio Grande do Norte!

João pega na deixa e diz:

Se você quiser ter sorte
Na sua mercearia
Mande por um etiqueta 
Em cada mercadoria
E ponha o meu nome nelas
Que conquista a freguesia!

E Pinto cheio de raiva segundo Furiba respondeu:

Triste da mercadoria
Que nela tiver seu nome
Pode vir um gabiru
Com quinze dias de fome
Cada o pão e mija o queijo
Passa por cima e não come!

Não se sabe, ao certo, com que idade Pinto morreu. Uns dizem que ele era de 1895, outros, de 1896. O próprio dizia que nasceu ora em 2 de novembro de 1896, ora em 21 de novembro de 1895. Afirma-se que morreu com mais de cem anos. Testemunhos dizem que era mais novo do que Antônio Marinho apenas dois anos. Conforme esse dado, Pinto teria morrido aos 101 anos, uma vez que Marinho é de 1887. Já velhinho, carregava um pandeiro para acompanhá-lo nos improvisos, alegando que "o volume é mais pequeno / e o pacote é mais maneiro".













Para alegria dos admiradores, Pinto deixou sua voz registrada em dois LP's — Pinto do Monteiro: Vida, Poesia e Verdade, produzido pela Fundação Joaquim Nabuco, e Pinto de Monteiro e Zé Pequeno: acelerando as asas do juízo, selo independente. Há, ainda, sua imagem e voz em inúmeras fitas de vídeo, Super-8, cassete, cinema. Deve haver, também, registro de muitos dos festivais dos quais participou, no Recife, São Paulo, João Pessoa, Fortaleza, Caruaru, Limoeiro, Petrolina, Campina Grande, entre outros.

No I Congresso de Cantadores do Recife, organizado por Rogaciano 
Leite, em 1948, no teatro de Santa Isabel, Pinto do Monteiro foi o grande vencedor, juntamente com o piauiense Domingos Martins Fonseca. Em dezembro de 1970, foi ao Festival de Cinema de Guarujá, com Lourival Batista, Job Patriota, Pedro Amorim, José Nunes Filho. Teve participação em filmes, entre eles, Nordeste: Cordel, Repente, Canção, dirigido por Tânia Quaresma.
Certa vez, Pinto cantando com um outro seu colega, este elogiava o Sertão, terra do velho cantador, e terminou uma sextilha assim: "Não sei medir o tamanho / dessa gente sertaneja". Pinto pega na deixa e diz, com sua maneira autêntica de sertanejo puro e de versos fáceis:

Que eu esteja em casa ou não esteja
chegue, entre e arme a rede
coma se estiver com fome
beba se estiver com sede
se quiser se balançar
empurre o pé na parede.

De outra feita, numa dessas suas grandes e ferrenhas lutas, em seu desafio o parceiro termina uma sextilha assim: "quando eu for para o outro mundo / vou lhe promover a galo". Facilmente, Pinto jogou esta sátira:

Se eu gozar desse regalo
concedido pela providência
quando eu for pra o outro mundo
havendo esta transferência
você vem como galinha
para a mesma residência.

Pinto era um verdadeiro cantador de repente. Bem diferente dos que normalmente conhecemos, que seguem uma rotina. Ele não. Respondia ao que lhe perguntam e revidava conforme lhe feriam. Numa cantoria, seu colega querendo atacá-lo, disse: "Aqui nesta cantoria / eu quero deixá-lo rouco". Pinto, com sua inesgotável idéia, responde:

Cantar com quem canta pouco
é como viajar numa pista
com um carro faltando freios
o chofer faltando a vista
e um doido gritando dentro:
"atola o pé motorista".

Em toda cantoria há o momento dos elogios, em que o cantador faz uma exaltação ao ouvinte, para agradá-lo e a paga ser recompensável. Era uma delas, o velho Pinto elogiava um sujeito e tudo fazia para agradá-lo. O camarada foi se retirando e não pagou. Pinto notou que ele tinha uma verruga no rosto e imediatamente soltou a dele, com esta sextilha:

Eu não posso confiar
em cabra que tem verruga
cachorro de boca preta
terreno que não enxuga
comida que doido enjeita
e casa que cigano aluga.

Sua viola era sagrada. Tinha um ciúme danado dela. Quando ele próprio sentiu que já estava próximo da morte, pois se encontrava muito doente, fez a seguinte recomendação à sua mulher:

Velhinha, quando eu morrer
Conserve a minha viola
Bote ela numa sacola
E deixe o rato roer
Barata dentro viver
O morcego morando nela
O cupim comendo ela
E ela perdendo o valor
Só não deixe cantador
Bater mais nas cordas dela.

De 1988 até a morte, Pinto permaneceu em Monteiro. Já cego e paralítico, porém totalmente lúcido, entregou-se à morte por absoluta falta de opção, numa noite de domingo, 28 de outubro de 1990, após viver mais de nove décadas, pelo menos, e deixar seu nome inscrito nos anais da fama, como cantador dotado de muita agilidade mental e muita ironia.Seu derradeiro sonho era morrer em Pernambuco, próximo dos companheiros de viola. Não o realizou, mas garantiu que ficaria para semente, como, de fato, ficou, brotando na memória do improviso:


Quando os velhos morrem
Os que ficam cantam bem
Duda passou de Marinho
Por mim não passa ninguém.
Eu vou ficar pra semente
Prá séculos sem fim amém.

Fonte: Cultura Nordestina




Na minha, humilde, opinião a definição mais convincente do que seja saudade, foi dada pelo poeta popular Pinto do Monteirona sua genialidade disse as seguintes palavras sobre SAUDADE.


“Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança.”


Essa é de Pinto também, comparando a vida, a curva  que tem na letra "S"


Eu só comparo essa vida
A curva da letra S
Tem uma ponta que sobe
Tem outra ponta que desce
E a volta que dá no meio
Nem todo mundo conhece!


Sobre o poeta, vamos deixar que ele mesmo fale. Segundo o site http://www.jornaldepoesia.jor.br/, no dia 11 de abril de 1983, às quatro da tarde, na casa do poeta, em Sertânia, Pinto do Monteiro gravou entrevista — ainda inédita — concedida a Djair de Almeida Freire, acompanhado do cantador Gato Velho.

Eis os principais trechos, transcritos e editados por Maria Alice Amorim:

"Severino Lourenço da Silva Pinto Monteiro, nasci em 1895, a 21 de novembro, a uma da madrugada, assim dizia a velha minha mãe. Batizei-me a hum de janeiro de 1896, pelo Pe. Manuel Ramos, na vila de Monteiro. Nasci na rua, mas morava em Carnaubinha. Com sete anos de idade, em 1903, fui para a fazenda Feijão. Saí de lá em 1916, 30 de junho. Meus avós eram da Itália, quando chegaram por aqui se misturaram com sangue de português. Esse Monteiro é parente dos Brito, eu sou parente dos Brito.
Com Antônio Marinho, eu nunca viajei para canto nenhum. Fiz várias cantorias com ele. Quando eu andava por aqui, cantava com ele. Quando eu morava em Vitória de Santo Antão, ele mudou-se para Caruaru. Eu vim, cantei com ele, levei ele a Vitória. Passou uma semana comigo. Lá, ele não andou mais. Levei ele uma vez ao Recife. Não cantou, adoeceu. Eu cantei muito foi com João da Catingueira, sobrinho de Inácio. Sete anos sem cantar com outro. Com Lino, fiz poucas viagens. Com Joaquim Vitorino, eu viajei mais, mais, e foi muito. Fui para Alagoas, Pernambuco, Recife, Piancó. Cantei com Zé Gustavo, no Arruda. Assis Tenório, eu viajei coisinha pouca, somente aqui, em Afogados. Cantei com ele em Pesqueira, Garanhuns, Caetés. Zé Limeira, eu cantei muitas vezes com ele.
Zé Pretinho, só ouvi falar por aquela história naquele folheto do cego Aderaldo, nunca conheci, acho que não existiu. Cantei com Zé Pretinho, de Caruaru, que era da Serra Velha. Com João Fabrício, que era também da Serra Velha. Com Aristo, também cantei mais ele muitas vezes. Com Laranjinha, muitas vezes. Zé Agostinho, barbeiro, cantei várias vezes. Agostinho Cajá, cantei mais ele muito, viajei mais ele. Cantei mais no Recife. Muito no Derby, no Savoy, na Câmara de Vereadores. Morei no Arruda trinta anos, rua das Moças.
Eu sou com Lourival como o gato com o rato. Cantei com ele no dia 5 de fevereiro (1983 — a cantoria mais recente à época), em Monteiro. Tinha Job, Zezé Lulu, João da Piaba, Zequinha, Zé Palmeira, Edésio Vicente, Zé Jabitacá. Tinha somente os de Monteiro e os de São José do Egito. Tinha Zé de Cazuza Nunes, que é grande poeta. Tinha Manuel Filó. Tinha João Furiba, Zé Galdino. Numa noite chuvosa, tinha mais de trezentas pessoas no clube.
Em certo lugar, chamado Boi Velho, chegou Manoel Filó — grande poeta, porém não usava a poesia —, deu um mote a mim e ao que estava cantando comigo: "O carão que cantava em meu baixio / teve medo da seca e foi embora". Cantei:


Se em janeiro não houver trovoada
fevereiro não tem sinal de chuva
não se vê a mudança da saúva
carregando a família da morada
só se ouve do povo é a zuada
pai e mãe, noivo e noiva, genro e nora
homem treme com fome, o filho chora
se arruma e vão tudo para o Rio
O carão que cantava em meu baixio
teve medo da seca e foi embora".





















Entre as obras de Pinto do Monteiro podemos encontrar entre outras, esta pérola....


POR QUE DEIXEI DE CANTAR

Recebi mais de um poema
Fazendo interrogação
Por que eu da profissão
Mudei de rumo e sistema
Resolverei um problema
De não poder tolerar
Muita gente a perguntar
Ansiosa pra saber
Em verso vou responder
Por que deixei de cantar.

Deixei porque a idade
já está muito avançada
A lembrança está cansada
O som menos da metade
Perdi a facilidade
Que em moço possuía
Acabou-se a energia
Da máquina de fazer verso
Hoje eu vivo submerso
Num mar de melancolia.

Minha amiga e companheira
Eu embrulhei de molambo
Pego nela por um bambo
Para tirar-lhe a poeira
Hoje não tem mais quem queira
Ir num canto me escutar
Fazer verso e gaguejar
Topar no meio e no fim
Canto feio, pouco e ruim
Será melhor não cantar.

Não foi por uma pensão
Que o governo me deu
Por que o eu do meu eu
Não me dá mais produção
Cantor sem inspiração
Tem vontade e nada faz
Eu hoje sou um dos tais
Que ninguém quer assistir
Nem o povo quer ouvir
Nem eu também posso mais.

Ando gemendo e chorando
E vendo a hora cair
O povo de mim fugir
E a canalha mangando
E eu tremendo e tombando
Sem maleta e sem sacola
Hoje estou nesta bitola
Por não ter outro recurso
Carrego a bengala a pulso
Não posso andar com a viola.

Com a matéria abatida
Eu de muito longe venho
Com este espinhoso lenho
Tombando na minha vida
Tenho a lembrança esquecida
Uma rouquice ruim
A vida quase no fim
A cabeça meio tonta
Quem for moço tome conta
Cantar não é mais pra mim.

Já pelo peso de oitenta
E uma das primaveras
Dezesseis lustros, oito eras,
E a carga me atormenta
O corpo não se sustenta
Quando anda cambaleia
Cantador de cara feia
Se eu for lhe assistir
Por isso deixei de ir
Para cantoria alheia.

Estes oitenta e um graus
Que acabei de subir
Foi só para distinguir
Quais são os bons e os maus
Por cima de pedra e paus
Tive atos de bravura
Hoje só tenho amargura
Tormento dor e cansaço
Passando de passo a passo
Por cima da sepultura.

Existe uma corriola
De sujeito vagabundo
Que anda solta no mundo
Pelintra e muito gabola
Compra logo uma viola
Da frente toda enfeitada
Só canta coisa emprestada
Mentir, fazer propaganda
Dizendo por onde anda
Que topa toda parada.

E ver em certos meios
Gente cantando iê-iê-iê
Arranjar dois LP
Tudo com versos alheios
Estou de saco cheio
De não poder tolerar
A muita gente escutar
Dizer viva e bater palma
Isso me doeu na alma
Faz eu deixar de cantar.

Fiz viagem de avião
A pé, a burro, a cavalo
De navio, outras que falo
De automóvel e caminhão
Cantando em rico salão
Muito moço, gordo e forte
Passei rampa, curva e corte
Para findar num retiro
E dar o último suspiro
Na emboscada da morte.

Corrente, fivela, argola,
Picinez, óculos, anel,
Livro, revista, papel,
Arame, bordão, viola,
Mala, maleta, sacola,
Perfume, lenço, troféu,
Roupa, sapato, chapéu,
Eu não posso conduzir
Quando for para eu subir
Na santa escada do céu.

Nunca pensei num tesouro
Que estava pra mim guardado
Quando fui condecorado
Com uma viola de ouro
O riso tornou-se um choro
O armazém em bodega
A cara cheia de prega
Ando tombando e tremendo
E as matutas dizendo:
Menino o velho te pega.

Não posso atender pedido
Que a mim fez muita gente
Porque estou velho e doente
Fraco, cansado, abatido,
De mais a mais esquecido
Sem som, sem mentalidade,
Ficou somente a vontade
Mordendo como formiga
Nunca mais vou em cantiga
Pra não morrer de saudade.

Vaquejada, apartação,
futebol e carnaval,
Véspera de ano e Natal
De são Pedro e São João
Dança, novela e leilão
É farra em botequim
Passear em um jardim
De braço com a querida
Neste restinho de vida
Não chega mais para mim.

Por não poder mais beber
Com meus colegas de arte
Das festas não fazer parte
Perdi da vida o prazer
Estou vivendo sem viver
Na maior fragilidade
Pelo peso da idade
Prazer pra mim não existe
Vou viver num canto triste
Até a finalidade.




















ANIVERSÁRIO DE LOURIVAL BATISTA (1980)


Mil novecentos e oitenta
Em São José do Egito
Mês janeiro, dia seis
Se dava início ao rito
De poetas cantadores
Magníficos condores
Do repente mais bonito.

Da esquerda, fotos de cima;

1ª FOTO - João Furiba canta com Diniz Vitorino, sob o olhar atento do poeta Oliveira de Panelas, à direita de Furiba, e Otoni Propaganda, o guia do carro da Pitu, que segura o microfone. Logo atrás se vê o Mestre Louro.
2ª FOTO - Os poetas saudosianos Antônio Pereira e João Batista de Siqueira, o Mestre Cancão, em frente à casa do aniversariante Lourival Batista.
3ª FOTO - Os poetas Pedro Bandeira e Lourival Bandeira. Dois grandes do repente e advindos de outra dinastia de poetas repentistas.
4ª FOTO - [Foto central] Vista geral da Rua da Baixa, em São José do Egito, onde ocorria o grande encontro dos poetas, que cantavam junto do povo, em meio ao povo, anônimos e poetas já consagrados.
5ª FOTO - O mais incrível de todos o gênios já nascidos naquela ribeira do Pajeú. Pela grandeza de seus poemas, pela simplicidade de seus gestos, pelo apego às coisas naturais... Cancão é indefinível...
6ª FOTO - O mais lírico de todos, Mestre Jó Patriota, um boêmio inveterado, de poemas madrugadores, recheados de um sentimentalismo próprio dos virtuosos, assistido pelo poeta e jurista Zé Silva, à sua esquerda.
7ª FOTO - Cantam o aniversariante do dia, o genial Louro do Pajeú, o rei dos trocadilhos, com o fabricador de pérolas da Serrinha Zezé Lulú, outro incomensurável repentista daquele recanto.

Em 1980, data das fotos, que foram tiradas pelo amigo Marcos Nigro, de Sertânia, sertão do Moxotó, eu tinha 11 anos de existência. Lembro vagamente, talvez não deste, mas de outros grandiosos encontros em torno das festividades do Dia de Reis e do aniversário do Mestre Louro, aos 06 de Janeiro...

Que essas imagens sirvam pra adoçar a lembrança de todos que puderam vivenciar estes, hoje tão distantes, momentos e que joguem um pouco de luz sobre os novos administradores públicos da cidade Berço Imortal da Poesia, para que se possa reviver instantes tão mágicos quanto estes.

Os jovens poetas que hoje habitam São José reclamam e clamam pela volta da poesia como tema central de seus festejos... Eu acredito!

Fonte: Blog. Marcello Patriota.



MANOEL PEDRO CLEMENTE AOS 93 ANOS




















10 DE FEVEREIRO DE 2014 ANIVERSÁRIO DO POETA
REPENTISTA MANOEL PEDRO CLEMENTE 93 ANOS
(Entrevista do mesmo a VALDEMIR da  Public Mais · fevereiro 10, 2014)

No dia 10 de fevereiro de 2014, a poesia Popular estava em festa: que há 93 anos, em 1921, no Sitio Paraguai, município de Belo Jardim-PE, nascia uma das maiores expressões da nossa poesia: Manuel Pedro Clemente.

Iniciou a sua carreira artística como violeiro repentista, aos 18 anos de idade, adquirindo a sua primeira viola por 25 mil réis.

A sua deficiência visual não é de nascença. Essa tragédia foi procedente de uma brincadeira de criança, sendo atingido por uma pedrada. Tempo atrasado, como ele mesmo relatou, não teve o devido cuidado e a cegueira em pouco tempo contaminou o outro olho, causando a total perda da visão de maneira  irreversível.

Manuel Pedro Clemente ou seu Mané Pêdo, como é conhecido principalmente nas glebas rurais, é uma lenda viva da poesia,  sendo o desbravador dessa arte que canta e encanta o Nordeste Brasileiro. Certa vez, o poeta  Sebastião Dias, hoje Prefeito da cidade de Tabira(PE),  disse em uma de suas sextilhas que MANUEL PEDRO NO PASSADO ANDOU DE JUMENTO,  PARA OS CANTADORES DE HOJE ANDAREM DE AVIÃO. É NOTÓRIO O CARINHO E O RESPEITO QUE TODA CLASSE POÉTICA TEM POR ESSE VATE DA POESIA.

Em conversa com Manuel Pedro Clemente, no dia 25 de março de 1998, nas dependências do Rádio Bitury (AM),  ele me relatava que a sua maior satisfação era  cantar. Lamentou a falta de incentivo a arte da poesia. Disse também, que enquanto cantava,  que as vezes sentia uma presença estranha, que parecia apreciar a sua cantoria. Essa presença, irradiava uma  energia positiva e as vezes  lhe causava inspiração.

Manuel Pedro Clemente tem uma legião de fãs espalhados por todo País conquistados nas cantorias de pé de parede e através das ondas sonoras do Rádio Bitury, onde se apresentava diariamente no PROGRAMA VIOLEIROS DA BITURY, nas décadas 70 e 80, ao lado dos poetas Paulino Monteiro, Zuzinha, Andorinha, Biu Violeiro, João Cornélio, João Cabeleira, sendo esse último seu maior parceiro e o mais solicitado para lhe acompanhar nas cantorias contratadas. A modalidade dessas cantorias eram  chamadas PÉ DE PAREDE e o pagamento era através de BANDEJA(Citava o nome de pessoas presentes e espontaneamente colocava uma contribuição financeira). Os lisos ou pirangueiros(mão de vaca) eram ironizados pelos poetas causando risos na plateia. Motes, canções eram pagos por fora. Às vezes, os mais espertos colaboradores, que gostavam de um determinado gênero se antecipavam e já colaboravam e pedia o tema de sua preferência.  Era normal apologistas (promoventes de cantorias) levarem gravadores com fitas cassete para registrarem aquele show de improviso. Ao dono da residência, a única despesa era a dormida e a janta dos cantadores. Normal também era promover cantorias em casamentos, aniversários, principalmente de crianças. A canção presente de aniversário sempre foi a mais pedida.

As canções: partida saudosa, eu e ela e a saudade;  amor de mãe(seu primeiro poema); anos perdidos; falando só; a dor da saudade; merecimento da criança; o adeus de Toinho Gonçalves; Lembrança da minha infância; sofrimentos do camponês; sábado do Senhor; o padre, o pastor e o dinheiro, dentre outros, escreveram o seu nome no livro da posteridade da arte poética.

É comum, quando um Nordestino desgarrado retorna ao seu torrão natal, perguntar aos seus parentes: Seu Mané Pêdo ainda é vivo?.

A cidade de Belo Jardim sempre se orgulhou desse filho ilustre, que no dia 10 de fevereiro de 2014, completou 93 anos de idade. Hoje, com o peso dos anos, a saúde abalada, reside na capital pernambucana e não canta mais. A nossa maior estrela, por imposição do destino, se contenta apenas em ouvir aqueles que estão trilhando o caminho que ele desbravou. Os filhos, que ele sempre se orgulhou de ter criado e educado no BRAÇO DA VIOLA, reconheceram o seu esforço e cuidam dele com amor, carinho e dedicação.

Era filho de Pedro Clemente da Silva e Francelina Maria da Conceição. Filhos: Maria Auxiliadora, Maria Soledade, Maria Valéria, Eulália Clemente, Hilda Clemente, Adonay Clemente, Luiz Gonzaga, Hildo e Eron Clemente. Foi casado com Maria do Carmo, que faleceu em 2005.

Manuel Pedro sempre soube do carinho que a cidade de Belo Jardim nutre por ele e como forma de agradecimento ele fez a CANÇÃO PRINCESA DO BITURY, um verdadeiro presente. Para ouvir esse verdadeiro hino acesse o
WWW.avozdopovobj.com.br http://www.youtube.com/watch?v=xlTDorMNzLY

HISTÓRIAS:

Em 1969, organizado por Ademar de Paiva, em Recife, teve um campeonato de Cidade X Cidade. Na final,  ficaram Manuel Pedro defendendo Belo Jardim e Diniz Vitorino defendendo a cidade de Carpina. A regra,  era cada um dizer o que tinha em sua cidade. Se aproveitando do defeito visual do concorrente, Diniz afirmou que terra que um CEGO REPRESENTAVA NÃO EXISTIA GENTE DE VISÃO DENTRO DELA.

Sem perder a classe, o nosso poeta Manuel Pedro Clemente, sabedor que Belo Jardim estava em pleno desenvolvimento, pois, tinha um juiz federal(Dr. Artur Maciel), Fábrica de Baterias(Moura), fabricos diversos de doces e ainda tinha conseguindo o prêmio de Miss Pernambuco, através da pesqueirense Gerusa Farias, fez esse decassílabo que entrou para a nossa história:

Belo Jardim já deu padre e deu doutor
Deu juiz federal, deu deputado.
Deu uma miss, a grandeza do Estado.
Deu uma fábrica de acumulador
Deu fabricos de doces de valor
Tem a pista, tem linha e corre trem.
Não é sua Carpina que só tem
Chiqueiro de bode e de galinha
QUEM TEM UMA TERRA IGUAL A MINHA
NÃO PRECISA DA TERRA DE NINGUEM.

Foi aplaudido de pé e trouxe o troféu.

Morte do Vereador Ilídio Santana:

Em uma cantoria no sitio Araçá, na residência de Inácio Brasiliano, pediram com Manuel Pedro Clemente e João Cabeleira, pediram que fosse feita uma homenagem ao vereador Ilídio  Santana de Souza, falecido recentemente em nosso município. Manuel Pedro improvisou:

Eu ouvi na Bitury
Numa tarde ensolarada
Que por causa de coalhada
E um taco de abacaxi
Ilídio partia daqui
Chorava amigo e parente
No Belo Jardim da gente
Deixou o trabalho e a fama
Morreu Ilídio Santana
Deixou saudades pra gente.

(Obs: Bitury é a Rádio Bitury AM de Belo Jardim – PE)

PREFEITO VALDECI TORRES

Em uma cantoria de Manuel Pedro Clemente, o prefeito de Belo Jardim Valdeci Torres foi prestigiar. Ao tomar conhecimento da presença do gestor, Clemente fez essa homenagem:

Do nosso Belo Jardim
Valdeci é a esperança
Nasceu no Sitio Porfírio
Perto do Sitio Balança
Terra que mamãe viveu
E eu brinquei quando criança

TODA MULHER É BOA:

Em uma cantoria com seu fiel parceiro João Cabeleira (João Caboclo da Silva), que estava desiludido com o amor insistia em atacar as mulheres, enquanto Manuel Pedro fazia fervorosamente a defesa. Vendo que o amigo não cedia aos ataques, após terminar a estrofe dizendo que até mulher de rico vivia na gafieira, Clemente o pegou na  deixa e fez esse improviso:

Meu caro João Cabeleira
Não diga palavra à toa
Não existe mulher ruim
Pra mim toda ela é boa
SE NÃO PRESTAR PRA O MARIDO
PRESTA PRA OUTRA PESSOA

 MORTE DE ANTONIO MARINHO:

Cantava em Afogados da Ingazeira com Otacílio Batista quando chegou a noticia da morte do poeta Antônio Marinho. Imediatamente Manuel Pedro fez essa homenagem ao colega:

Soprava uma brisa mansa
Por cima dos vegetais
Deixando nos matagais
Alguns ciscos por lembrança
O furacão com vingança
Deitava pau no caminho
Exclamava um passarinho
Um som que entristecia
E a voz do sino dizia
MORREU ANTONIO MARINHO.

COM MANUEL XUDU:

Cantando com Manuel Xudú, que  a todo tempo, reclamava de sua fina musculatura. Para animar o companheiro, Clemente improvisou:

Nada vale a musculatura
Aonde existe o fracasso
Mais vale um forte braço fino
Do que fraco, um forte braço.
QUE DEZ CENTIMETRO DE FERRO
NÃO PAGA CINCO DE AÇO.

O CÃO DA GARRAFA:

Em uma cantoria na capital pernambucana, seu companheiro terminou afirmando ser o cão da garrafa e Clemente pegou a deixa:

Sou do tamanho da girafa
Você tamanho dum mosquito
Sou do tamanho do Estado
Você menor que um distrito
Você canta ruim e feio
Eu canto bom e bonito.

O COURO DÁ:

Em um armazém no Recife Manuel Pedro foi apresentado ao gerente de um banco da capital paulista como um grandes repentistas. Após os cumprimentos, talvez não acreditando no seu potencial, devido a deficiência visual, o gerente pediu para que fosse glosado o tema TODA OBRA O COURO DÁ.  Manuel Pedro improvisou:

Com couro se faz sapato
Sela, selote e cilhão
Se faz até um cordão
Pra pendurar-se um retrato
Gibão pra correr no mato
Pra quem quiser campear
Correia para amarrar
Arreata do vaqueiro
Rabisco e ponta de reino
TODA OBRA, O COURO DÁ.

CARESTIA:

No poema por Causa da Carestia, Manuel Pedro Clemente relata o sofrimento do povo dilacerado pelo dragão da inflação. Na estrofe abaixo, ele coloca também  o cego como vítima:

Até o cego pedinte
Vai pedir não se apruma
Tudo quanto o pobre arruma
Não dá pra o dia seguinte
Não tem mais contribuinte
Dá a demissão do guia
Joga no mato a bacia
Toca fogo na sacola
Nunca mais ganhou esmola
POR CAUSA DA CARESTIA

Ainda sobre o mesmo tema Manuel Pedro disse:

O dinheiro de comprar carne
Pra se comer um cozido
Vai comprar de comprimido
Pra sua esposa tomar
Na hora de se deitar
É a maior agonia
Vai dormir na rede fria
No mais cruel desatino
NUNCA MAIS NASCEU MENINO
POR CAUSA DA CARESTIA.

CHAPÉU SEM BEIRA E SEM COPA:

Em um recinto na cidade de Lagoa dos Gatos (PE), com Manuel Domingos, tio do poeta Ivanildo Vila Nova, Clemente observava alguns poetas glosadores. De repente surgiu o tema Chapéu sem beira e sem copa, que foi logo descartado pelos glosadores, afirmando ser um tema sem pé e nem cabeça.

Imediatamente, Manuel Pedro se lembrou de uma conversa que tinha tido com um ex-combatente, que afirmou que na guerra da Alemanha  era para os soldados atacarem em grupos e não isoladamente. Com o linguajar afiado, e o dom dado pela Providência Divina, afirmou ser possível atender o tema e que iria glosar. Todos pararam e Clemente glosou:

Na guerra da Alemanha
Ver-se soldados abatidos
Esbagaçados e feridos
Pelo sopé da montanha
Cinco, seis, longe da tropa.
Nos desertos da Europa
Expostos a chuva e mormaços
Corpo sem perna e sem braço
CHAPÉU SEM BEIRA E SEM COPA

Em seu poema o Merecimento da Criança, Manuel Pedro Clemente diz:

Quem nega um pão à criança
Desgosta a Virgem Maria
Quando ele morrer um dia
Perdão de Deus não alcança
Do céu perde a esperança
Pra Jesus não tem valor
É tão ruim que o Salvador
Daquele espírito se esquece
Toda criança merece
Ser tratada com amor

PRINCESA DO BITURY:

Nesse poema, Manuel Pedro Clemente declara seu amor por Belo Jardim, a sua terra natal. Difícil para mim foi escolher duas estrofes para demonstrar esse amor, pois, elas se completam:

A maior riqueza dela
É o Rio Bitury
Água doce igual aquela
Nesse mundo inda não vi
Pra ela ganhar vantagem
Ganhou mais uma barragem
Para aumentar seu valor
Quem vê-la diz sem ter mágoa
Éis a cidade da água
Joia do interior



Belo Jardim é o sonho
Tornado realidade
Seu panorama risonho
Demonstra felicidade
Sua mimosa paisagem
Dá mais vida a nossa imagem
E mais poesia em si
E suas flores naturais
Faz ela ser ainda mais
PRINCESA DO BITURY.

No poema POR QUE É QUE EU TOCO E CANTO, Manuel Pedro Clemente, faz um verdadeiro relato do seu prazer de cantar, até mesmo para suprir a sua deficiência visual:

Deve cantar com prazer
Quem para cantar nasceu
Aqui coloco uma frase
Que um escritor escreveu
Poesia é coisa santa
Quem canta seu mal espanta
EU CANTO ESPANTANDO O MEU.

No poema POR CAUSA DA VAIDADE, o poeta Manoel Pedro Clemente relatou:

Outro compra aonde mora
Prestação todo momento
No dia do pagamento     
Inventa um almoço fora
O prestamista se escora
Mais de uma hora na grade
Reconhece a má vontade
Termina a conta perdendo
Tem muita gente sofrendo
POR CAUSA DA VAIDADE.

 Hoje tem mulher casada
Que dá a luz um bebezinho
Não amamenta o filhinho
Pra não ficar deformada
Quer andar toda alinhada
Negando a maternidade
Deus ver da Eternidade
O mal que ela tá fazendo
Tem muita gente sofrendo
POR CAUSA DA VAIDADE.

No poema EU E ELA E A SAUDADE, o poeta conta a história (ou estória) de um amor escondido:

Ela em ninguém se confia
Temendo uma falsidade
Ninguém nota ninguém sabe
Da nossa grande amizade
Só ficou para nós três
EU E ELA E A SAUDADE.

Em nossa conversa no dia 25 de março de 1998, encantado pelo momento  ímpar vivido cometi alguns erros, dentre os quais,  foi não ter pedido para ele recitar o poema  PARTIDA SAUDOSA e nem procurar saber a data das composições. Aos leitores do blog deixo recomendo esse link da citada canção, cantada não pelo autor, porém na íntegra:

No poema AMOR DE MÃE, o nosso vate relata o cotidiano de uma mãe:

Não há quem sofra no mundo
Como uma mãe amorosa
Seu sofrimento é profundo
Vive triste e pesarosa
Cuidando dos filhos seus
Entregando eles à Deus
E a Maria concebida
Perdendo noite de sono
E às vezes no abandono
Termina o resto da vida

 Quando o filho está doente
A mamãe para o servir
Passa a noite paciente
Sem ter direito a dormir
Do seu filhinho cuidando
Beijando e acariciando
Tristonha e aperreada
Com o coração sem dolo
Deita seu filho no colo
E amanhece o dia sentada

 E assim que amanhece o dia
Começa a luta diária
Dando ao filho garantia
E assistência necessária
Depois que a família cresce
TEM FILHA QUE SE ENVAIDECE
Nem se quer se lembra dela
Começa arranjando amores
Nem se recorda das dores
QUE A MÃE PADECEU POR ELA

 Quando é um rapazinho
Muda logo a diretriz
Dos pais dispensa o carinho
Parte pra o sul do País
Lá se entretém com o ganho
Prazer de todo tamanho
Não se lembra mais de cá
Esquece a mãe verdadeira
Na farra e na bebedeira
Termina a vida por lá

 A mãe derrama pranto
Pelos filhos a toda hora
Pelos filhos sofre tanto
E filho nenhum lhe adora
E uma filha, finalmente.
Só sabe o que uma mãe sente
Quando um filhinho ela tem
E o filho que o pai esquece
Só sabe o que um pai padece
Quanto ele é pai também

E se por casualidade
O filho erra uma vez
Nas mãos da autoridade
É conduzido ao xadrez
A mamãe banhada em pranto
Envolve a face no manto
Com um sofrimento sem fim
Com o rosto lagrimado
Diz chorando ao delegado
Solte a ele e prenda a mim

 Se a mãe ver um filho dela
Numa luta com alguém
Pelo amor que tem ela
Entra na luta também
Não respeita tiroteio
Do barulho entra no meio
Seu peito encorajado
Se torna forte guerreira
Passa entre bala e peixeira
E vai buscar seu filho amado

 Finalmente uma mãe sente
Mágoa, desgosto e tortura
CORAÇÃO DE MÃE É COFRE
DE SE GUARDAR AMARGURA
Pelos filhos tudo faz
Além disso, ainda é mais
Cativa do seu dever
Não tem descanso um segundo
QUE A POBRE MÃE NESSE MUNDO
SÓ NASCEU PARA SOFRER.

As historias de Manuel Pedro Clemente são inúmeras. Cantou religião, o homem do campo, o sertão e o sofrimento do seu povo. Falou de amor, de paixão, de saudades, de homens, mulheres e de crianças.

Guardo um pequeno acervo desse grande poeta. Tive a oportunidade de coletar essas informações com o próprio em 25 de março de 1998.

Daquele momento, guardo uma frase de Manuel Pedro, em forma de agradecimento por eu estar registrando aquele momento, a sua trajetória,  ele me disse: VALDEMIR EU TINHA MEDO DE MORRER E NINGUÉM CONHECER A MINHA HISTÓRIA. Ele não viu, mas eu chorei de emoção.

Fonte by Postado por Public Mais · fevereiro 10, 2014














            




ELÍSIO FÉLIX DA COSTA ( CANHOTINHO)

        Elísio Felix da Costa, mais conhecido por Canhotinho. Nasceu na cidade de Taperuá, interior da Paraíba. Foi chamado de Canhotinho porque era canhoto, mas existem relatos de que na cantoria ele tocava na viola dos dois lado, dando a entender que também era destro.
Desde cedo, percebeu que a brisa benfazeja da inspiração lhe mimava a alma, e, por isso, desfrutava, entre as inúmeras platéias do Nordeste, o conceito merecido. Sua morte, em 1965, trouxe uma lacuna impreenchível à poesia. O eminente mestre, Luís da Câmara Cascudo, em brilhante artigo, expressou sua tristeza, confessando sua felicidade em o haver conhecido.
Afirmam que era “redondamente” analfabeto, mas seus improvisos impressionavam pelo adocicado e singeleza. Quando emocionado, seu estro produzia verdadeiras obras geniais, que, por solicitação sua, eram escritas por pessoas mais íntimas.
Não se sabe ao certo, mas estima-se que Canhotinho tenha nascido por volta de 1912, vindo a falecer no dia 05 de Junho de 1965, vítima de um infarto, quando tinha 52 anos, aproximadamente. Era poeta repentista, considerado um dos maiores cantadores da época, pelo fato de ser analfabeto, pobre e preto, essa última característica gerava um preconceito muito grande, perante a sociedade naquele tempo.
Canhotinho viajou para cantar pelos Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e praticamente em todo o Nordeste, sempre acompanhado de grandes nomes da cantoria, como Pinto do Monteiro, Manoel Xudu, Otacílio Batista, Lourival Batista, Sebastião José, João Furiba,  José Alves Sobrinho, entre tantos outros.
O poeta José Hermínio da cidade de Mari fez muitas cantorias com ele, inclusive muitas participações na Rádio Planalto de Carpina. José Hermínio filho, que na época acompanhava o pai cantando com o grande Canhotinho, recorda muitas dessas histórias, fatos oculares, testemunhados pelo jovem poeta Hermínio, que estava apenas ingressando no universo da poesia improvisada, onde ficou sabendo de muitos fatos ocorridos na trajetória do grande cantador taperoaense, residente na capital João Pessoa.
Conta José Hermínio filho que existia na Zona Rural de São José do Egito, um apologista e promovente de cantorias por nome de Nicolau, que certa vez ajustou uma cantoria com os poetas: Lourival Batista & Canhotinho. E havia na região uma pessoa apelidada de Bacalhau, famoso por acabar com brincadeiras na região, e teria dito que iria acabar essa dita festa com suas badernas.  A cantoria, muito bem organizada com bebida e comida a vontade, teve início, muita gente assistindo e por volta das 4 horas da manhã, já terminando a festa, iniciaram um assunto falando sobre o Bacalhau que não apareceu para interferir de forma negativa no evento, e o poeta Lourival terminou uma estrofe dizendo:

Bacalhau de água doce
Não entra em água salgada


Num intervalo de 02 ou 03 segundos o poeta canhotinho pegou na deixa e mandou essa:

Eu achei muito animada
A festa de Nicolau
O guiné entrou no chumbo
O bode morreu no pau
Só não podemos botar
O coco no bacalhau

As dezenas de pessoas que ainda estavam na cantoria, sabendo do assunto, aplaudiram Canhotinho de forma tão intensa, que o parceiro, num gesto de reconhecimento, parou a viola para abraçar o amigo.

Outras características marcantes e louváveis do poeta analfabeto na caneta, mas dotado de conhecimento, eram: a simplicidade, a humildade, cantava com qualquer cantador, não tinha vaidade nem boemia, apenas falava cantando sobre sua saudade, sua alegria e sua dor, no entanto, era um dos poetas mais requisitados para fazer cantorias. Temos essa estrofe belíssima do poeta:

Eu canto pra todo mundo
Com minha vocação santa
Cantando também se chora
Chorando também se canta
A minha mágoa secreta
Confessar não adianta


Canhotinho podia não ter a cultura livresca, a educação formal, mas era um profundo observador da escola da vida e talvez fosse, como um autodidata sempre buscando conhecimentos. Nenhuma pessoa que seja totalmente analfabeta é capaz de produzir versos assim:

Ameríndios do Brasil
Aos pretos escravizaram
O choro dos filhos brancos
As mães pretas consolaram
E o leite dos filhos pretos
Os filhos brancos mamaram

(Elísio Félix da Costa, o Canhotinho, cantador paraibano, gênio da raça)

CANHOTINHO GLOSANDO O MOTE

A vereda da vida é tão penosa,
Que me assombro com as curvas que ela faz!

Não indaguei de ninguém, ninguém me disse
O início dos meus primeiros anos,
Mas, nos passos dos tristes desenganos,
Vim parar na ladeira da velhice…
E, temendo que o mundo não me visse,
Procurei arrodeios  infernais :
Mas o rio das águas imortais
Me mostrou a corrente caudalosa:
A vereda da vida é tão penosa,
Que me assombro com as curvas que ela faz!

Vou morrer caminhando, sem dar crença
Às misérias da vida sem proveito
- Estas cousas que o homem está sujeito:
O desgosto, o amor e a doença.
Sem temer, nesta vida, a negra ofensa
De espadas, pistolas e punhais…
A velhice maltrata muito mais;
Dentre todas, o! arma perigosa!
A vereda da vida é tão penosa
Que me assombro com as curvas que ela faz!


O desgosto do homem não se finda
Na tangente da vida tão extensa;
A esperança fracassa, e também, pensa
Que seu dono cansado está de vinda;
O desgosto fugiu, mas volta ainda;
A esperança morreu, não volta mais,
Pois a minha não vive, há tempo jaz,
Nas montanhas da alma cavernosa:
A vereda da vida é tão penosa,
Que me assombro com as curvas que ela faz!


Acho tarde demais para voltar,
Estou cansado  demais para seguir,
Os meus lábios se ocultam de sorrir,
Sinto lágrimas, não posso mais chorar;
Eu não posso partir, também ficar…
E assim, nem pra frente, nem pra trás:
Pra ficar, sacrifico a própria paz
Pra seguir, a viagem é perigosa…
A vereda da vida é tão penosa,
Que me assombro com as curvas que ela faz!


















 FABIÃO DAS QUEIMADAS


   Fabião  Hermenegildo Ferreira da Rocha nasceu escravo, em 1850, na Fazenda Queimadas, do coronel José Ferreira da Rocha, no atual município de Lagoa de Velhos (RN). Começou a cantar durante os trabalhos na roça. Tornou-se tocador de rabeca, tendo adquirido seu instrumento aos 15 anos, com o apoio do dono, que permitia e incentivava que ele cantasse nas casas dos mais abastados da região e nas feiras. Conseguiu angariar algum dinheiro que, aos 28 anos, possibilitou comprar a sua alforria Comprou também a alforria da mãe e de uma sobrinha com quem se casou. 
 . Era analfabeto, mas criava versos, como o "Romance do boi da mão de pau", com 48 estrofes. Suas composições apresentam traços dos romances herdados da idade média. 

    Em 1923, Fabião das Queimadas já era conhecido e respeitado no estado, onde no início do período republicano manteve ligações com políticos da terra, emprestando seus talentos ao criar versos que serviam, ora para enaltecer os amigos poderosos, ora para denegrir seus adversários. Já suas apresentações em Natal, aparentemente eram raras ou restritas a residências de particulares que gostavam da prosa sertaneja. 

“A Republica”, de 19 de dezembro, em novo texto assinado por “Jacinto da Purificação”, trouxe uma extensa reportagem sobre o cantador, onde buscavam apresentá-lo a cidade; comentou como no passado Fabião havia conquistado sua liberdade, “que a fama de Fabião corria mundo”, mas ressaltou “que o seu estrelato alcançava aquele mundo que não ultrapassava as fronteiras da nossa terra”.

    Em 1923, a expectativa de vida dos mais pobres no Brasil mal chegava aos 60 anos. Fabião, então, com sessenta e dois anos, era considerado com “ótima lucidez, perfeita memória e bom timbre de voz”. Afirmou-se que era “verdadeiramente um desses milagres para os quais a ciência não encontra explicação”. Informaram que “aquilo que Fabião chama de sua obra”, certamente daria um volume com mais de 300 páginas. Algumas destas obras haviam sido criadas pelo cantador 55 anos antes, em 1868. Para recitá-los ou cantá-los, junto com sua inseparável rabeca, ele utilizava apenas sua privilegiada memória.

Uma passagem interessante comentava que certa ocasião, um amigo mais chegado lhe perguntou como ele criava e guardava seus versos. Na sua simplicidade, o cantador disse que “quando eu quero tirar uma obra, me deito na rede de papo prá riba, magino, magino e quando acabo de maginar, está maginado pru resto da vida”. 

Chamou atenção do autor do texto como Fabião era um sertanejo dotado de uma imensa bondade, pois lembrava saudosamente do seu antigo senhor, José Ferreira. Em uma passagem, o autor conta uma história onde Fabião rebate uma crítica feita ao seu antigo amo, por não tê-lo mandado à escola quando jovem, ao que o cantador comentou; “meu senhor foi sempre homem de muito tino e ele bem sabia que se me tivesse mandado ler e escrever, quem o vendia era eu”.




CACHORRINHO LINDO!



















Me diz cachorrinho lindo,
O que está fazendo aqui!
Será! Que é vigilante,
Farejando o que já li!
Ou! Aguarda o visitante,
Que ainda não conheci.


POEMA PARA O DIA DAS MÃES, de Apolônio Alves


Vários poetas versaram
Belas canções maternais,
Os temas já se esgotaram
Mas pretendo versar mais
Sobre minha mãe querida
Os meus deveres exigem,
Por ela ter sido origem
Dos dias da minha vida.

Lá da santa eternidade
Mamãe, implore a Jesus
Que ajude por caridade
Eu carregar minha cruz
Por um caminho sensato
E guie mais os passos meus
Pelo santo amor de Deus,
Perdoe este filho ingrato.

Fui um filho ingrato, sim!
Por não ter reconhecido
O que mamãe fez por mim...
Em não ter correspondido
Com a dor do sentimento
Chorar muito eu necessito
Lamento triste e aflito
Com grande arrependimento.

Mamãe, aceite a mensagem
Que lhe envio de presente...
Quero prestar-lhe homenagem
“Remorsionadamente”
E cheio de nostalgia.
Reflito, muito sentido,
Por não ter retribuído
O que você merecia.

Quem tiver sua mãe viva
Levante as mãos para o céu
Que uma mamãe compassiva
Não deixa um filho ao léu...
A minha já fez partida...
Deixou-me banhado em choro
Perdi o maior tesouro
Que já possuí na vida.

São nove meses de dores
O quanto uma mãe padece
E mais muitos dissabores
Que o filho não reconhece
Quanto uma mãe sofredora
Do filho tudo defende,
Mas o filho não entende
O valor da genitora.

Este lindo poema foi escrito pelo grande poeta popular Apolônio Alves dos Santos (1926 – 1998), autor de O Herói João Canguçu, entre outros clássicos do cordel. O presente poema foi publicado como apêndice ao folheto A MOÇA QUE SE CASOU 14 VEZES E CONTINUOU DONZELA, do mesmo autor, editado pela Luzeiro,de São Paulo.